Um homem de 71 anos se tornou a primeira pessoa viva a receber um transplante de fígado de porco geneticamente modificado. O procedimento foi realizado em maio deste ano no First Affiliated Hospital da Anhui Medical University, na China. Em entrevista à revista Nature, Sun Beicheng, cirurgião líder do transplante, diz que o paciente “está muito bem”.
Esse é o quinto xenotransplante — transplante feito entre espécies diferentes — realizado no mundo com um órgão de porco. Em março deste ano, foi realizado o primeiro transplante de rim de porco em um paciente humano vivo. Em 2022 e 2023, foram realizados transplantes de coração de porco em seres humanos vivos. Um pouco antes, em 2021, um procedimento com rim suíno foi realizado em um paciente com morte cerebral.
Os transplantes realizados anteriormente permitiram aos investigadores obter informações valiosas sobre a viabilidade do xenotransplante. A expectativa dos médicos e pesquisadores da área é de que o procedimento possa fornecer órgãos a milhares de pessoas que esperam por um doador.
Xenotransplantes de fígados de porco fazem parte de um campo em ascensão. Em janeiro, uma equipe dos Estados Unidos conectou um fígado suíno geneticamente modificado fora do corpo de uma pessoa clinicamente morta. Em março, foi realizado um transplante com o mesmo tipo de órgão também em um indivíduo clinicamente morto, com a autorização de sua família. O fígado permaneceu no corpo por dez dias e não apresentou sinais de rejeição.
Em maio deste ano, outra equipe chinesa também transplantou um rim e fígado de porco em uma pessoa clinicamente morta.
Como o procedimento foi realizado?
No transplante de fígado de porco recente, o paciente que recebeu o órgão apresentava um tumor grande no lobo direito de seu fígado e não era elegível para receber um órgão humano porque exames indicaram que seu fígado estava “funcionando demasiadamente mal” para garantir um bom resultado pós-cirúrgico.
De acordo com Beicheng, o lobo esquerdo do fígado por si só seria incapaz de mantê-lo vivo e a situação era “muito perigosa”. Diante disso, o paciente e sua família teriam demonstrado interesse no xenotransplante. Em seguida, a equipe cirúrgica obteve a aprovação dos comitês de ética e de transplante do hospital.
No dia 17 de maio, foi realizada uma operação para retirar o lobo direito do paciente, em uma cirurgia que durou oito horas. O órgão foi substituído por um fígado de 514 gramas de um porco de 11 meses que pesava 32 quilos.
Para evitar que o órgão suíno fosse rejeitado pelo corpo do receptor após o transplante, o porco foi sujeito a dez modificações genéticas, segundo Hong-Jiang Wei, geneticista da Universidade Agrícola de Yunnan, em Kunming, na China — sua equipe foi a responsável pelas mudanças genéticas realizadas no órgão. Foram desativados três genes que contribuem para a produção de açúcares na superfície das células suínas, atacadas pelo sistema imunológico humano, e foram introduzidos sete genes que expressam proteínas humanas.
Segundo Beicheng, a equipe não detectou a presença de citomegalovírus suíno nos exames do fígado de porco, o que reduz as chances de complicações para o receptor.
Após de os cirurgiões terem restabelecido o fluxo sanguíneo para o fígado de porco transplantado, o órgão começou a secretar bile — de 10 mililitros no primeiro dia, a produção de bile aumentou gradualmente para 200-300 mL no 13º dia (uma pessoa saudável secreta, em média, 400 mL de bile por dia). Além disso, os médicos não viram sinais de rejeição do órgão nos últimos dias.
“Esse é um resultado muito positivo”, diz Jay Fishman, especialista em doenças infecciosas de transplantes do Massachusetts General Hospital, em Boston, à Nature. “Em geral, você não vê esses bons sinais se o órgão estiver sofrendo rejeição.”
No 10º dia após o transplante, os médicos ainda não viram sinais de crescimento do fígado, mas estão otimistas. Beicheng espera que o lobo esquerdo do fígado humano cresça o suficiente para fornecer a função hepática completa e que o fígado do porco sirva como uma “ponte” para chegar nesse ponto.
Fonte: CNN Brasil
Foto: Shannon Fagan/GettyImages